ALEIJADINHO DE VILA RICA – PATRONO DE LOJAS MAÇÔNICAS
Por Luiz Gonzaga da Rocha
Resumo: Verdade, conhecimento e sabedoria permeiam as palavras dos baluartes da escritura maçônica no Brasil – José Castellani e João Anatalino Rodrigues – espelhando cultura e erudição aos maçons diante da figura ímpar do toreuta Antônio Francisco Lisboa – O Aleijadinho de Vila Rica – que, admitamos, se não tenha sido Maçom, podemos indagar o quanto ele tinha de conhecimentos sobre a Maçonaria, cultura simbólica da Arte Real, e o quanto poderia, pelo menos, está a par de segredos arcanos detidos somente por Mestres iniciados nesse mister. Simples e ao mesmo tempo emblemático é o paradoxo com o qual o Irmão (Leitor) vai se deparar doravante.
Palavras-Chave: Aleijadinho. Antônio Francisco Lisboa. Maçonaria. Estudos Maçônicos.
Preâmbulo
Em 2004, José Castellani, no livro “Consultório Maçônico IX”, pagina dezenove e seguintes, responde ao questionamento formulado pelo Irmão Carlos Magno Cardoso de Souza, sobre “O Aleijadinho Maçom?”. O Aleijadinho, para fins de registro, é Patrono da ARLS Antônio Francisco Lisboa nº 3.793 (Brasília/DF); Patrono da ARLS Antônio Francisco Lisboa nº 2.665 (Bauru/SP); bem assim da ARLS Fraternidade Acadêmica “O Aleijadinho” nº 3.590, descendente da Loja nº 2.665. E com certeza, outras Lojas Maçônicas se encontram representadas pela tutela do Mestre Aleijadinho por esse imenso País. O que estas três Lojas citadas possuem em comum além da denominação e de pertecerem ao GOB? A resposta salta de imediato aos olhos: o Patrono Antônio Francisco Lisboa. A pergunta que se impõe é: “erraram os Maçons ao proporem para estas Lojas um Profano como Patrono?” Não buscaremos responder afirmando “sim, sim” ou “não, não”, mas trazendo à baila as considerações dos Irmãos José Castellani e João Anatalino Rodrigues.
ALEIJADINHO MAÇOM?
O Respeitável Irmão Carlos Magno Cardoso de Souza, do Oriente de Ecoporanga (ES) e da jurisdição do Grande Oriente do Brasil, apresenta a seguinte questão:
“Certa vez. Assistindo a um programa de televisão, não me recordo em qual emissora, acompanhei atentamente uma reportagem que relatava a vida e a obra do Aleijadinho e a relação de suas escultura com a Maçonaria, algumas em posição de ordem, Símbolos e sugerindo possíveis Sinais. Diante desse fato, gostaria de ter acesso a uma matéria que me desse mais conhecimentos sobre a verdadeira ligação do Aleijadinho com a Maçonaria”.
Castellani
Matéria séria, honesta e fiel à documentação histórica, sobre ligação do Aleijadinho com a Maçonaria, o prezado Irmão não vai encontrar nenhuma. Vai encontrar, apenas, literatura irrelevante, baseada somente na especulação e na imaginação.
Antônio Francisco Lisboa, o “Aleijadinho”, nasceu em 1730 e faleceu em 1814, tendo recebido o apelido pelo qual ficou conhecido, graças à doença de que padecia, a partir de 1777, e que seria a hanseníase (lepra), ou uma artrite deformante, ou, ainda, uma sífilis terciária, a qual produziu deformações em seus membros superiores e inferiores. Sabe-se, na realidade, muito pouco de sua vida e o pouco que se sabe está contido na obra publicada por Rodrigo José Ferreira Bretas, em 1858, sob o título Traços Biográficos Relativos ao Finando Antônio Francisco Lisboa.
Sua arte é toda sacra e está espalhada em diversas igrejas de Ouro Preto, de Sabará, de Mariana, de São João del-Rey, de Congonhas do Campo, de Santa Luzia e de Tiradentes. Sua obra prima é o grupo de estátuas dos doze profetas, que estão no adro da Igreja do Bom Jesus de Matozinhos, em Congonhas do Campo, as quais foram esculpidas entre 1800 e 1805. Estas estátuas é que têm motivado essas especulações, como as da citada reportagem.
As primeiras Lojas Maçônicas do Brasil são do final do século XVIII e início do século XIX, tendo surgido, inicialmente, na Bahia e no Rio de Janeiro. A presença de Lojas na capitania de Minas Gerais antes dessa época, é fruto de mera especulação e imaginação, sem qualquer base documental. O Aleijadinho sempre permaneceu nas cidades citadas, onde trabalhou, podendo ter ido ao Rio de Janeiro, em 1776, quando ainda não existiam Lojas ali, sendo pouco provável, portanto, que tenha sido Maçom, como pretendem alguns especuladores, já que não há nenhuma base documental e nenhum indício que levem a essa conclusão.
Querer identificar Sinais Maçônicos em algumas posições das estátuas é um grande exercício de imaginação. Tão grande quanto o do bispo Charles Leadbeater, o famigerado líder da Co-Maçonaria (mista) americana, que “viu” Sinais Maçônicos em pequenas estátuas votivas e de bailarinas, encontradas durante escavações arqueológicas feitas na ilha de Creta, “concluindo”, daí, sem qualquer base, que já havia Maçonaria entre os cretenses dois mil anos antes de Cristo. Tão grande quando o dos que “acharam” Sinais Maçônicos em um altar em Ouro Preto, há uns 15 anos.
Quanto aos símbolos “maçônicos” encontrados em diversas construções e esculturas do século XVIII, como esquadros, compassos, níveis, prumos, malhos, cinzéis, etc., é preciso entender que tais instrumentos simbolizam a arquitetura e a escultura e que foram tomados pelos Maçons aceitos (ou “especulativos”), como Símbolos Maçônicos. Seria uma santa ingenuidade, ou perversa má-fé, achar que ocorreu o contrário. E, nos séculos XVII e XVIII era comum os arquitetos e escultores, colocarem, em suas obras, representações estilizadas desses instrumentos, principalmente de esquadros e compassos, como ainda se pode ver em muitas igrejas da época, pois eles representavam a sua profissão e a sua arte.
O ALEIJADINHO TAMBÉM FOI MAÇOM?
Seu pai Manuel Francisco Lisboa – português, chegou ao Brasil em plena febre do ouro, no início do século XVIII. Indo residir em Vila Rica – Minas Gerais, trazendo apenas uma autorização pra trabalhar como carpinteiro, transformou-se logo apóes em mestre-de obras.
Em 1730 coabitava com uma escrava nos arredores de Vila Rica, de cuja união nasceu um filho natural – Antônio Francisco Lisboa – O Aleijadinho.
Quando ainda criança, seu pai casou-se com outra mulher, dando-lhe assim um lar onde foi criado junto com seus meios irmãos. Foi educado na fé religiosa e cresceu dentro das igrejas acompanhado o desenrolar da construção de algumas, aprendeu a ler e escrever e aos 28 anos já aparece como artífice trabalhando por conta própria.
Mas na vida atribulada do Aleijadinho, sendo ele contemporâneo e testemunha do movimento libertário que ficou gravado na história como Inconfidência Mineira – melhor seria conjuração mineira, pois inconfidente é infiel revelador de segredos.
Sabendo-se que tal movimento foi idealizado e encabeçado por Maçons Iniciados na Europa, não teriam esses pedreiros livres – como eram conhecidos na época, Iniciado Antônio Francisco Lisboa que naquela época ainda não era o Aleijadinho. Assim como iniciaram o Tiradentes? Diz a história que ele foi amigo e confidente de Tiradentes apesar da diferença de idade – Tiradentes nasceu em 1748, ou seja, 18 anos após o Aleijadinho que nasceu em 1730 e morreu em 1814. Na Maçonaria não Inicia-se deficientes físicos, mas, o mal que acometeu o Antônio Francisco Lisboa – mal de Rance – acentuou-se já na velhice, vindo a falecer na casa de seu filho aos 84 anos de idade.
A obra que presumivelmente mais ligou o Aleijadinho à Maçonaria foi a escultura das estátuas dos 12 profetas, que segundo a história maçônicas cada profeta apresenta um Sinal ou postura maçônica. Vale revelar que se realmente ele foi Iniciado, galgou os Graus superiores da Ordem pois algumas das estátuas revelam Sinais dos altos Graus da Maçonaria. a complexidade de Ritos Maçônicos praticados naquela época, dificulta a identificação de alguns Sinais mas a postura das 12 esculturas é perfeitamente maçônica.
Na vida do Aleijadinho junta-se alguns fatos ocorridos no interrogatório do sacristão e do mendigo que presenciaram o furto da Gaiola de ferro colocada no mais alto poste de Vila Rica, onde presumivelmente estava encerrada a cabeça do Tiradentes.
Numa parte do interrogatório feito por Barbacena sobre o pintor Ataíde – respondeu-lhe o mendigo “coruja” – Perdão Excelência, de Ataíde nada sei, mas sei que Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, é pessoa graduada nos mistérios sublimes, é Maçom e ter mostrado isso em suas obras – já me disseram a mesma coisa em relação ao Alferes e demais conjurados. Essa seita invadiu Portugal e agora entra no Brasil, afirma Barbacena.
Continua o velho coruja: “Aquelas folhas de Acácia, dos altares talhados pelo Aleijadinho, são símbolos do sacrifício do M. H. Os girassóis e a rosa são da iniciação da cabala. E os pelicanos, eles não se sacrificam pelos próprios filhos? Alimentando-os com a própria carne? Gr 18?
Irm. Cesarino Queiroz de Melo
Or. de Olinda-PE
Subscrito
O Mestre José Castellani colacionou o longo questionamento à resposta manifestada ao Irmão Carlos Magno Cardoso de Souza, e nada cometa a propósito do texto subscrito pelo Irmão Cesarino, embora tenha deixando subentendido tratar-se do que denominou de “grande exercício de imaginação” ou de “literatura irrelevante, baseada somente na especulação e na imaginação”. Pensamos que esta teria sido a demonstração e exemplificação que tenha querido apresentar.
O que pensamos?
Ocorre que as palavras de José Castellani sempre foram bem pensadas e bem colocadas, e do alto escalão de Doutor em Maçonaria no seu Consultório Maçônico, muitas das suas palavras, ensinamentos e entendimento, tornaram-se “verdades” escritas em pedras, e palavras escritas em pedras são difíceis de serem removidas e bem mais difíceis é a ação em “apagá-las” ou “escrever outras verdades” sobre as mesmas pedras. Em tese, tornaram-se “Cláusulas Pétreas”.
Como dissemos alhures, não nos propomos contestar nada do que estamos a transcrever. E, ainda, sobre O Aleijadinho Maçom?, trazemos à colação o pensamento abalizado do Irmão João Anatalino Rodigues, outro grande escritor maçônico. E ele asseverou “ipsis litteris”, no texto publicado em freemason.pt:
HISTÓRIA DA MAÇONARIA: A LOJA DO ALEIJADINHO
“(…). Alguns autores maçons, munidos mais de imaginação do que de verdadeiras informações históricas, sustentam que Tiradentes, Tomás António Gonzaga, Álvares Maciel, Alvarenga Peixoto e outros, inclusive o próprio Aleijadinho (António Francisco Lisboa), eram maçons. Dizem até que a maçonaria teria sido trazida ao Brasil pelo Doutor José Álvares Maciel, que teria sido iniciado em Coimbra e frequentado Lojas em Londres. Assim teria fundado Lojas em Ouro Preto, onde iniciou os ditos irmãos inconfidentes e outras pessoas importantes da colónia.
Não há nenhuma evidência histórica destas afirmações. Aliás, dado o momento histórico em que foram vividos os factos da Inconfidência Mineira, é duvidoso que alguma Loja maçónica estivesse funcionando no Brasil naquela época. Os primeiros anos da década de 1790, como vimos, foram os tempos mais violentos da repressão que as autoridades portuguesas moveram contra a maçonaria. O biénio de 1792-93, aliás, anos em que o processo contra os inconfidentes foi concluído, (Tiradentes foi enforcado em 21 de abril de 1792), foi a época em que essa repressão atingiu o auge.
Não se levantou, até agora, nenhum registro de actividade maçónica nas Minas Gerais, na época da Inconfidência, ou em anos anteriores, e mesmo em décadas posteriores a ela. E achamos mesmo difícil que isto tenha ocorrido face à predominância da religião católica naquelas terras e o medo que a terrível milícia criada pelo Conde de Assumar inspirava nos mineiros. Assim, pretender que alguns dos inconfidentes fossem maçons regulares é, no mínimo, mais uma das românticas inspirações dos nossos imaginativos autores maçónicos.
O Aleijadinho era Maçom?
Esta pergunta é interessante e pode ser respondida de duas formas: sim e não.
Primeiro, como já foi informado no texto acima, não havia actividade maçónica regular em Minas na época em que ele viveu. Aleijadinho nasceu em 1730 e morreu em 1814. Profundamente católico e ligado à Igreja, dificilmente teria participado de um movimento tão mal visto pelas autoridades eclesiásticas. Certamente, se houvesse qualquer relação do grande artista barroco com algum movimento maçónico regular, ele jamais teria sido tão cortejado e requisitado pela comunidade eclesiástica de Minas para realizar os trabalhos que o tornaram famoso. Assim, podemos dizer com um certo nível de certeza que António Francisco Lisboa, o Aleijadinho, não era Maçom regular, ou seja, não foi membro iniciado de uma potência maçónica, tal como a conhecemos hoje. Aliás, nem ele, nem Tiradentes, nem qualquer outro inconfidente, tanto quanto sabemos.
Isto não impede, entretanto, que a Inconfidência Mineira não tenha sido realmente influenciada por ideais maçónicos. Afinal, se formos analisar as ideias maçónicas do século XVIII e do início do século XIX, seria muito difícil negar que a maçonaria não seria apenas mais um desdobramento do Iluminismo do que uma manifestação cultural independente, que nasceu e se desenvolveu por si mesma. Maçonaria, como temos sustentado, é mais uma ideia, uma prática de vida, do que uma instituição, propriamente dita. Ela fundamenta-se na ideia arquetípica de uma ordem social e política perfeita- um Éden social- e na prática da fraternidade e do livre pensamento como sustentáculo dessa ideia. Assim, Maçom não é apenas aquele que se inicia numa Loja regular e aprende a compartilhar com os Irmãos uma cultura simbólica comum. Maçom é todo aquele “pedreiro” moral que ajuda a construir o edifício da ordem social perfeita.
Só neste sentido, aliás, podemos conceder à maçonaria antecedentes históricos tão antigos e filiações espirituais tão nobres quanto são pretendidas pelos nossos românticos e imaginativos historiadores.
Sabemos, por exemplo, que a maçonaria, tal como a conhecemos hoje, não nasceu em 1717, com a fusão das Lojas Londrinas, como pretendem os defensores da origem britânica da Ordem. Nem que o seu registro de nascimento seja o misterioso Colégio de Arquitectura florentino, fundado em Milão por Leonardo da Vinci e os seus confrades arquitectos e artistas renascentistas, como pretendem os defensores da linhagem italiana da Arte Real. Registros da existência de Lojas que já praticavam ritos semelhantes aos que hoje se praticam na maçonaria moderna existem para atestar uma existência muito mais antiga do que essas[1].
Assim, que o Aleijadinho possa ter sido Maçom operativo, é bem provável. Afinal, o seu pai, Manuel Francisco Lisboa era, comprovadamente, mestre de obras. Vários registros documentados o dão como pedreiro, carpinteiro, arquitecto e entalhador.
Essa profissão ele a transmitiu ao seu filho ilegítimo António Francisco, que ele teve com sua escrava Isabel. Afirma o principal biógrafo do Aleijadinho que o seu pai, Manuel Francisco, realizou muitas obras de verdadeiro arquitecto e ocupou, por muitos anos, o cargo de “Juiz” dos “Ofícios Mecânicos” de Vila Rica, alcançando relativa fortuna e projecção social[2].
Era também membro leigo da Irmandade da Ordem de São José do Carmo, organização da qual, mais tarde, também o próprio Aleijadinho seria, primeiro professor, e depois Juiz.
Ora, o que era realmente esta Irmandade de São José do Carmo? Os registros históricos indicam que se tratava de uma Irmandade fundada sob os auspícios da Igreja, mas que tinha, nitidamente, o carácter de uma guilda, ou seja, uma espécie de Corporação de Ofício, que cuidava dos interesses dos praticantes dos ofícios ligados à construção civil, regulando as suas actividades e ensinando-as aos aprendizes que se dedicavam a essa actividade.
Por termo de posse lavrado em 9 de dezembro de 1787, o “pardo” António Francisco Lisboa, escultor e mestre de obras de cantaria, foi nomeado “Juiz” dessa Ordem de “irmãos” carpinteiros e construtores de Vila Rica[3]. Segundo Afonso Arinos, existiam no Brasil colonial, nas principais cidades, muitas organizações desse tipo. Eram Ordens laico-religiosas, organizadas pela Igreja e administradas pelos profissionais que as compunham.
Poder-se-ia chamá-las de Lojas maçónicas operativas? Pelo que sabemos dessas antigas antecessoras das Lojas modernas, podemos, ao menos por analogia, dizer que sim. Nestas corporações há, inclusive, registros da participação de “irmãos” não pertencentes aos quadros dos profissionais da construção civil. Na própria Irmandade de São José, onde o Aleijadinho foi elevado a “Juiz” (Venerável Mestre?), há registros de vários militares e outros tipos de profissionais liberais, admitidos como “irmãos aceitos”. Indícios da prática de um ritual de iniciação também são observáveis nesses documentos que se referem às actividades dessas Irmandades.
O ingresso de António Francisco como membro desta Irmandade regista o dia 4 de agosto de 1772 como o da sua iniciação. Ele tinha um irmão padre, chamado Félix António Lisboa, que também era membro dessa Organização.
Assim, à pergunta, se António Francisco Lisboa, conhecido como o Aleijadinho, teria sido Maçom, a resposta pode ser: sim. Maçom operativo, Maçom por ideal, Maçom por virtude prática, certamente pode ter sido. Maçom regularmente iniciado, membro de potência reconhecida, com certeza não foi.
Mas para quem vive a verdadeira maçonaria isto muito pouco importa. A obra do Aleijadinho, principalmente aquela que ele realizou após o seu ingresso na Irmandade de São José, é fundamentalmente maçónica. É uma arte que, embora mostre feições caracteristicamente católicas, pois o Aleijadinho nunca se afastou das suas raízes religiosas, entretanto, reflecte perfeitamente a filosofia da Contra Reforma, pregada por Pio V no Concilio de Trento (1536). Nesse Concílio, o referido Papa pregou uma mudança na arte sacra até então realizada pelos artistas católicos, sustentando que ela deveria conduzir o povo para Deus e não o afastar dele. Isto era o que os reformistas protestantes pregavam, dizendo que a teologia católica só prometia dor para o género humano e reflectia essa ideologia de miséria na arte sacra, glorificando pessoas martirizadas, representando-as em pleno martírio e não na glória que a revelação religiosa concede aos seus iluminados. Destarte, fazia do próprio Cristo uma imagem de martírio e dor, sem oferecer em troca uma visão do seu triunfo final. E os protestantes iam conquistando adeptos justamente pela ideia que pregavam, da possibilidade de uma redenção, da conquista de um gozo futuro como prémio pela dor presente.
Assim, o Aleijadinho procurou retratar esta ideia nas suas obras. O homem, por maior que sejam os seus sofrimentos em vida, se ele crê em Deus, triunfa. Essa foi a experiência vivida por Jesus, esse foi o seu exemplo. Daí os seus Cristos de madeira e pedra se apresentarem como imagens vivas da mutilação e da dor, mas nas suas expressões se percebe a mais excelsa alegria. Nas feições dilaceradas a imagem do sofrimento, mas no brilho descomunal dos olhos, a transcendência da vitória conquistada pelo espírito.
Possivelmente, o Aleijadinho deve ter experimentado na sua própria vida um sentimento semelhante. Os seus aleijões, a sua doença degenerativa e deformante não o teria levado a se comparar a um Cristo vivo, vivendo uma experiência transformante e transformadora, que ele retratou nas suas obras? Não seria uma experiência semelhante àquela que emula da prática maçónica? Não poucos biógrafos seus sustentam que sim, que ele teria retratado nas feições sofridas das suas imagens o seu próprio rosto, contraído pela dor, e nos membros que muitos críticos reputam como deformados, os aleijões que a lepra tuberculóide provocava nas suas mãos e pés[4].
A Obra Maçónica do Aleijadinho
Já foi sugerido que os profetas esculpidos pelo Aleijadinho para o Santuário de Bom Jesus de Matozinhos, em Congonhas do Campo, são uma metáfora à Inconfidência Mineira, na qual cada um dos doze profetas representaria um dos Inconfidentes. Neste sentido, Isaías representaria Domingos de Abreu Vieira, e os demais, na ordem, seriam Francisco de Paula Freire (Jeremias), José Alvares Maciel (Abdias), Domingos Vidal Barbosa (Habacuc), Tomás Antonio Gonzaga (Daniel), Tiradentes (Jonas), Alvarenga Peixoto (Oseias), Cláudio Manoel da Costa (Joel), Francisco Antonio Lopes (Naum), Luiz Vaz de Toledo Piza (Ezequiel), Salvador Carvalho de Amaral Gurgel (Baruc) e Amós seria o seu próprio auto-retrato. Estas deduções foram extraídas das observações das frases latinas contidas nos pergaminhos que cada profeta ostenta nas suas mãos. Essas inscrições, embora reflectindo motivos bíblicos, e baseadas em frases atribuídas a cada um dos oráculos, não reproduzem os ditos originais contidas nos livros dos respectivos profetas, mas foram claramente adaptadas para expressar uma ideia, que segundo a autora da tese, seriam alusivas a motivos referentes à Inconfidência Mineira e à vida particular de cada um dos conjurados[5].
A Loja do Aleijadinho?
Com um pouco de imaginação e informação sobre a vida do Aleijadinho pode-se construir boas e interessantes especulações. Aliás, isso é próprio da obra de todo grande artista. Haja vista as especulações sobre a obra de Leonardo da Vinci, Dante Alighieri, Shakespeare e outros. O nosso fantástico António Francisco Lisboa, entretanto, para o Maçom especulativo, desperta ainda mais interesse quando se buscam nele os sinais, senão de que ele tenha sido realmente um irmão regular, que tenha sido pelo menos um Maçom operativo, ligado por teoria e prática, à cultura da maçonaria.
Neste sentido, basta observar com atenção as suas obras para enxergar nelas os sinais da presença cultural da Arte Real. Nela encontraremos, por exemplo, a representação de abóbadas celestes num estilo bem maçónico, assim como colunas, romãs, garras, símbolos maçons como prumos, níveis, adros e outros artefactos presentes na iconografia maçónica. Isto mostra o quanto ele tinha conhecimento, senão da cultura simbólica da Arte Real, que pelo menos estava a par de segredos arcanos detidos somente por Mestres iniciados nesse mister.
Porém, o que mais chama a atenção nesse sentido é a disposição geográfica dos profetas no átrio do santuário de Congonhas do Campo. Com um pouquinho de imaginação poderemos encontrar nela uma certa semelhança entre a posição das estátuas com as posições ocupadas numa Loja maçónica pelos seus oficiais. Senão vejamos. Essa disposição pode ser detalhada do seguinte modo:
| ORIENTE | |||
| Jonas (1º diácono) | Daniel (Orador) | Oséias (Porta Bandeira) | Joel (Secretário) |
| OCIDENTE | |||
| Baruc (Tesoureiro) | Ezequiel (M. Cerimónias) | ||
| Amós (1º Vigilante) | Naum (2º Vigilante) | ||
| Abdias (2º Diácono) | Isaias (Cobridor interno) | Jeremias (Cobridor externo) | Habacuc (Harmonia) |
A posição do Trono do Venerável Mestre corresponde ao próprio santuário, já que o Venerável é, no caso, o próprio Cristo.
Esta é a disposição em que os profetas foram esculpidos, todos eles com os seus pés em posição de esquadro, como bem cabe a um Maçom em Loja regular.
Eis aí colocadas algumas interessantes relações entre a realidade histórica e o mito António Francisco Lisboa – conhecido pela alcunha de O Aleijadinho -, a maior expressão da arte barroca brasileira de todos os tempos. Outras já foram observadas por diversos autores e Irmãos em trabalhos de Loja, razão pela qual seria cediço reproduzi-las aqui.
O que fica é a pergunta: Era ele um Irmão da Arte Real? Com o que registamos acima só podemos concluir que sim. Era ele Maçom? Não sabemos, pois não há qualquer registo histórico que o prove. Tudo está em distinguirmos aquilo que entendemos como sendo um Irmão da Arte Real e um Maçom regular. Para nós o verdadeiro significado da maçonaria está no primeiro termo e não no segundo. Isto porque não vemos a maçonaria como uma instituição secular, mas sim como ideia que deve ser posta em prática. Neste sentido, por tudo que esse magnífico artista foi, pelo que fez, pelo que idealizou e reflectiu na sua obra, não temos nenhum constrangimento em considerá-lo um grande Irmão. E ao fazê-lo, sentimos um imenso orgulho nisso.
João Anatalino Rodrigues
Conclusão
Que o Irmão possa formular sua própria conclusão diante dos dois textos apresentados é o que almejamos. Afinal, sabemos que as peças que compõem o quebra-cabeça que envolvem a Arte Real e os Maçons no Brasil não estão disponíveis por completo. Muito há, ainda, por se desvelar. Então, que seja a especulação e a imaginação que mova as peças do quebra-cabeça, criando e validando as teses que a mentalidade apresentar. Assim, a nosso entender, não “erraram” os Maçons que escolheram o Mestre “Aleijadinho” para Patronear suas respectivas Lojas Maçônicas.
Paz. Muita Paz.
Referências (Fontes Consultadas)
Castellani, José. Consultório Maçônico IX, Londrina: A Trolha, 2004.
NOTAS
[1] Cf. Jean Palou- Maçonaria Simbólica e Iniciática, Ed. Pensamento, 1986 (nota 3 – original).
[2] Rodrigo José Ferreira Bretas- Traços Biográficos do (…) Aleijadinho. Património Histórico e Artístico Nacional, nº 15- Rio de Janeiro, 1951 (nota 4 – original).
[3] Idem, op citado. (nota 5 – original).
[4] Hoje sabe-se que a doença que o grande escultor mineiro contraiu era a porfiria cutânea tardia, uma espécie de hanseníase nervosa, que corrói pele e membros inferiores e superiores, mas conserva intactos os órgãos internos, razão pela qual o Aleijadinho viveu até a avançada idade de 84 anos. (nota 6 – original).
[5] Esta tese foi defendida pela professora Isolde Hans Venturelli, publicada no calendário Phillips de 1982 e reproduzida pela Revista Veja. Neste caso, o Profeta Amós, seria o próprio Aleijadinho, cujo discurso, como sabem os Irmãos, abre a Loja de Companheiro. (nota 7 – original).
